domingo, 7 de fevereiro de 2010

Não quero ser salvo por Deus de mim mesmo!



Por: Marcio Alves


Reconheço as minhas limitações, sou mesmo imperfeito, carrego mazelas na minha trajetória de vida, sou incapaz ao mesmo tempo em que tento aprender a lidar com minhas seqüelas da adolescência, erros da minha natureza contraditória da existência ambígua humana.

O senso comum dos evangélicos é que todos estão irremediavelmente perdidos, são podres, horríveis, malignos e por isso estão amaldiçoados por Deus.
Por isso que durante muito tempo – antes da falaciosa doutrina da prosperidade entrar em ação no cenário Brasileiro – as pregações giravam entorno do arrependimento, que devíamos mudar de vida, sermos transformados em uma nova criatura, que éramos por natureza inimigos de Deus, condenados à ira futura divina.

E pior, me ensinaram (ainda ensinam) que eu era o meu pior inimigo, que deveria lutar contra mim mesmo, contra os meus ímpios e impuros desejos, que eu era malvado, não havia bem nenhum em mim, e por isso passei a me odiar, até senti nojo de mim mesmo.

Então a lógica religiosa se repetia e se perpetuava a cada culto, a cada pregação:
“Você precisa se arrepender de seus pecados, para que possa ser salvo por Deus de você mesmo”.

Então me vi, cada vez em pior situação e me odiando cada dia mais, porque por mais que eu lutasse, não conseguia vencer a mim mesmo, pois os desejos eram avassaladores, e minhas imperfeições não mudaram, não acabaram quando eu levantei a mão e aceitei a Jesus como salvador, não me transformei em um santo, pelo contrario, me tornei hipócrita, projetava em mim, uma imagem que não era minha, mas tinha que ser assim, pois é assim que os evangélicos se mostram e querem ser vistos.

A verdade era que eu não conseguia, por mais que tentasse alcançar o padrão moral de uma divindade perfeita e exigente, me sentia sempre devedor, culpado por não conseguir ser o que o deus evangélico queria que eu fosse.

Hoje já deixei de acreditar que precise ser salvo por Deus de mim mesmo, que tenha que me arrepender dos meus erros para escapar do inferno.
Não! Não preciso arrepender-me, pois os meus erros faziam e fazem parte do processo de viver, como posso aprender, se eu nunca errar? Como posso arrepender-me desses erros, que me ensinaram a viver?
Os erros cometidos por mim, não são crimes bárbaros, não sou nenhum criminoso, sou apenas um humano com imperfeições.

Hoje salvação para mim é justamente quando eu reconheço-me, consigo me ver no espelho como eu sou realmente, e aprendo a viver com o meu interior.
Ter um encontro com Deus é ter um encontro consigo mesmo.

Olho para dentro de mim e vejo forças poderosas da maldade e da bondade que habitam em mim, não sou totalmente bom, como não sou totalmente malvado.
Sou um humano que a cada dia tenta viver a vida, caminhando entre esses dois pólos.

Até os meus pecados – como dizem os religiosos – foram importantes e decisivos na construção da minha historia.
Hoje aprendi a não mais me odiar, me abominar, nem mesmo quando erro, sei das minhas imperfeições, tenho que andar em cima da corda bamba da vida, e errar faz parte do processo de viver. Inclusive, mesmo até os piores erros, nos dão forças de continuar a viver, pois nos empurra para frente, nos dando coragem para nos encarar, levando nos a nos conhecer melhor, fazendo com que, aprendamos a administrar os nossos defeitos, procurando ser mais virtuosos.

Inclusive, não há virtude em se fazer o bem, esperando receber recompensas.
Até mesmo a recompensa dos céus e seus respectivos galardões.

Como não há dignidade em não fazer o mal, por causa da sua conseqüência, como medo de ir para o inferno, ou, medo da punição e constrangimento de ser pego em flagrante, que poderá nos causar tais atitudes.

Façamos o bem e deixemos de praticar o mal, por que há virtude intrínseca na bondade, e maldade intrínseca no mal, e não porque o grande olho divino esta nos vigiando, para pesar a sua potente mão, nos perseguindo com maldições.

Alias, o maior beneficio em se praticar o bem é que esse bem nos coloca mais perto de outro bem, e, a maior tragédia de se fazer o mal é que nos coloca mais perto de outro mal.

Exemplificando essa minha tese:
A atitude de você trair uma pessoa te colocará mais perto de outra maldade, o da mentira, que por conseqüência te colocará perto da falsidade.

A atitude de você praticar um ato bondoso te colocará mais perto, deixando a porta aberta para outra atitude bondosa.
É como efeito dominó, ou as ondulações no rio quando jogamos pedras.
Toda atitude tem desdobramentos para nós e para os outros.

Dentro de cada ser humano, há luzes e trevas, verdades e mentiras, ninguém é totalmente herói, como ninguém é totalmente vilão.
Há bondade no mais vil dos homens, como maldade no mais santo dos homens.
Ninguém é totalmente demônio, como não é totalmente anjo.

Essa idéia miserável e desgraçada que por causa da mordidinha de Adão na “maça”, a raça esta totalmente em trevas, corrompida e degenerada, que não há bondade no ser humano, que todos são filhos do diabo, que estão debaixo de maldição e ira de Deus, é retrógada, injusta e narcotizante do ser.

Todo ser humano possui a imago dei, e deve ser visto de modo digno e respeitável.

O que resta nós fazermos então?

Admitirmos nossas virtudes e defeitos, sabermos conviver com nossas limitações e capacidades, e, principalmente, trabalharmos e potencializarmos o nosso lado de luz, para que o das trevas não venha sobrepor e prevalecer.

Mas jamais isto tem haver com Deus, não é da responsabilidade de Deus salvar o homem de si mesmo, transformando-o em um outro ser totalmente diferente do que era. Mas antes, é nossa a responsabilidade de a cada dia vivermos com maior dignidade, consciência e acima de tudo, valorizando a vida, pois pecado é tudo que é contra a vida!

Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.


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