sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Vaidade das vaidades, tudo vaidade


Por Edson Moura
Dias desses recebi a visita de um grande amigo, aliás, dois grandes amigos, e por muitas vezes, no calor de nossos debates, refleti sobre temas que preferi não compartilhar com eles naquele momento. Agora, depois de passada a euforia de ter meus companheiros Marcio e Esdras dividindo o mesmo teto comigo, resolvi escrever sobre o que pensei naquele momento.  Ponderações sobre a velhice, a morte e o “ser feliz” num mundo já há tempos dominado pela indústria da beleza e sua falsa promessa de bem estar e eterna juventude me fizeram pensar sobre como estou conduzindo minha existência.
 
Ouvi dizer, ou talvez tenha lido em algum livro ou revista que certa feita Sócrates foi indagado ao observar atenciosamente e com profunda admiração sobre as coisas que punha os olhos. Sócrates teria respondido que, na verdade examinava quantas coisas supérfluas existiam, e que, portanto, eram prescindíveis à sua felicidade. Hoje certamente essas coisas são muito banais. De modo que não se precisa sair a cata dos encantos da sereia. Dentro desse universo do que é supérfluo estão inseridas as bugigangas mais variadas do não envelhecimento.

A Indústria da beleza vem ditando em ritmo frenético o que é necessário para ser aceito nos espaços em que ela é fundamental. Mas o que seria o “belo”? Será que o belo é o mesmo que está retratado nos outdoors e nos manequins de grifes famosas? Para nós ocidentais chafurdados no capitalismo, os encantos de um Shopping Center faz todo o sentido, todas aquelas vitrines bem montadas nos seduzem e acabam nos obrigando a viver numa espécie de comunhão religiosa com o frívolo. Parece-me que nossa felicidade vem embrulhada num papel colorido de presente. Às vezes, nem percebemos que somos indivíduos, seres “para si” existentes, pois nos equiparamos àquilo que nos gera uma provisória sensação de bem estar.

Em 1931 Giovanne Reale disse: “Dê-me televisão e hambúrguer e não me venha com sermões sobre liberdade responsabilidade. Com este mesmo sentido, e parafraseando Nietzsche, Reale afirma que “a raiz de todos os males que atinge ao homem de hoje se encontra no exatamente Niilismo. O niilismo nietzschiano reduz-se à fórmula emblemática da morte de Deus, ou seja, do esmagamento da transcendência e de todos os valores metafísicos. Ora, se isto constitui-se uma verdade, se Deus está morto e com Ele toda dimensão transcendental, prevalece então o Materialismo e com isso toda a transvaloração dos ideais supremos.

Nessa perspectiva, o bem-estar material é deve ser tratado como prioridade, e isso gera, ou pelo menos contribui muito, para o mal-estar da civilização. Chamamos esse tipo de bem –estar de “felicidade artificial”, produzido pelo consumo desregrado que chega a se tornar um hiperconsumo bulímico que se alterna com as dietas de privações na busca de um corpo perfeito, mesmo que isso gere um culto dispendioso às vitaminas e dos oligoelementos.

Todos nós conhecemos a história de Narciso, que foi um jovem de extrema beleza, mas intoleravelmente soberbo e desdenhoso. Agrado de si mesmo e a todos os mais desprezando, levava a vida no serrado dos bosques coutadas, em companhia de um grupo de amigos para quem ele era tudo. E onde Narciso ia o seguia uma ninfa chama Eco. Assim vivendo chegou certo dia, por mero acaso, à beira de uma fonte cristalina e debruçou-se. Ao enxergar nas águas sua própria imagem, perdeu-se numa contemplação e depois numa admiração tão extasiadas de si mesmo que não pode afastar-se do reflexo que mirava e ali ficou paralisado, até que a consciência o abandonou. Foi então transformado numa flor que traz seu nome, a qual desabrocha no começo da primavera. É a flor sagrada das divindades infernais: Plutão, Prosérpina e Eumênides.

 Pobre Narciso, o culto a si mesmo o fez perder sua condição de existência, consumido pelo inebriado delírio de sua imagem. Não devemos nunca esquecer também que isto é apenas um detalhe quase sem relevância frente ao seu sinistro fim, ser transformado numa flor sagrada para as divindades do inferno. Lembremo-nos então que homens deste tipo tornam-se inúteis e imprestáveis para tudo na sociedade.

A Atual conjuntura do mundo, notoriamente marcado pela evolução científica, vem cada vez mais descobrindo meios de proporcionar prazer com a “felicidade artificial”. Sabe-se que a ciência tem um papel importantíssimo no retardamento da velhice, das doenças e como era de se esperar, da morte. Claro que isso não é ruim! É maravilhoso, desde que este objetivo não nos torne escravos de tais progressos. O homem é um ser temporal, finito. E quando não aceitamos esta condição, ou seja, quando ele faz de todo seu tempo um eterno retocar de maquiagem de suas rugas e cabelos brancos, de uma busca infinita pela beleza externa ditada pelos outdoors, acabará como Narciso: Inútil e imprestável.

Devemos lembrar que essa busca incessante pela beleza e negação da velhice é evidente nos padrões sociais mais elevados, pois sabemos, ou deveríamos saber, que são os ricos que detêm o poder aquisitivo para valer-se de tais panaceias. “Nos ricos o consumo torna-se histérico, maníaco pela autenticidade, pela beleza, pela cor pura e pela saúde. São eles quem dominam as vitrines, os grandes magazines, os pequenos mercados de pulgas. A mania de frivolidade torna-se mania de ninharias. Como seria a imagem do grande Sócrates em um Shopping Center? Qual seria sua reação?

Nessa corrida desesperada o tempo acaba por tornar-se o grande vilão. Uma voz que não se cansa de nos sussurrar: “Os teus dias estão passando!”. Então corremos para o espelho, verificamos se a calvície está aumentando, se mais um fio de cabelo ficou branco, se mais uma ruga traçou nosso rosto como o leito de um rio já seco, se a barriga já nos impede de amarrar o cadarço de nossos sapatos e assim por diante.  Rapidamente corremos para academia na tentativa frustrada de reparar a flacidez de nossos músculos já cansados de tanto trabalho pesado, ou, quando ainda não estão flácidos, o que é o meu caso, tentar impedir que isto aconteça. Desesperamo-nos, pois os dias estão passando, e o inimigo cruel não tem a menor intenção de parar de correr.

 A ampulheta da consciência diz isso. Uma batalha épica é travada com nosso ego, que diz: “Eu não quero envelhecer!”. Moisés num de seus salmos disse: “...Pois todos os nossos dias vão passando na tua indignação; passamos os nossos dias como um conto que se conta. Os anos de nossa vida chegam a setenta, ou oitenta para os que tem mais vigor, entretanto, são anos difíceis e cheios de sofrimento, pois a vida passa depressa e nós voamos...". (Salmo 90.9-11). Ninguém experimentou isso melhor do que o poeta John Keats, que morreu aos 25 anos vitimado por uma tuberculose, lamentando resignadamente: “Se eu tivesse tido mais tempo!”.

Assim como a nossa morte, a velhice, por enquanto, é inevitável, aliás, podemos dizer que elas caminham lado a lado e de mãos dadas. Vez ou outra a morte chega de maneira paulatina, outras vezes o tempo a impulsiona, mesmo assim, por mais velho que estejamos, sempre acharemos que está cedo demais para abrirmos a porta e convidá-la para entrar. O segredo está no velho pensamento romano: “Lembra-te que és mortal!”. Não aceitar a velhice, e consequentemente a morte, é viver sobre o jugo de uma eterna angústia. A Angústia da luta contra o inevitável, isso gera desespero, pois em determinado momento percebemos que a luta é vã, então entramos em crise. Portanto, não adianta nos desesperarmos, velhice e morte, essas duas companheiras nos visitam todos os dias. Todos os dias a primeira nos bate à porta, enquanto a segunda fica na soleira esperando o dia em que, sorrateiramente invadirá nossa morada, com isso, quando ela entrar, nada mais podemos fazer a não ser, arrumar as malas e partir para o definitivo.

Só me resta recorrer a Salomão, o sábio: “Vaidade das vaidades, tudo vaidade”, e como disse o profeta Moisés no salmo bíblico: ...Nossa vida é um conto ligeiro.



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