domingo, 27 de maio de 2012

Coisas para dizer ao meu filho antes de morrer (parte 3): O amor


          Eu e meu filho Alexandre na foto acima

Por: Marcio Alves

Filho, não se iluda com o amor romântico idealizado e propagado por filmes e livros, pois o “amor” do dia a dia é totalmente diferente das aventuras amorosas vivida por personagens em filmes fictícios.
Se fores para um casamento pensando que será “mil e umas” maravilhas, que não haverá problemas, que todo dia irás acordar mais apaixonado que antes, estais correndo um grande perigo de lá na frente se frustrares. Mas o grande problema não é a frustração em si, antes, você ficar a vida toda procurando um amor idealizado e ilusório que nunca acontecerá.

Embora não vejo mal em você casar e depois separar, como também continuar casado, como nunca se casar, apenas quero que você tenha esta consciência madura e sabia de que todo relacionamento tem conflito, que toda mulher tem defeito, que todo casamento é problemático, mas, no final irás descobrir como é importante, talvez até necessário estar com alguém de quem você gosta muito e se identifica, pois ninguém vive completamente sozinho. Tenha sempre em mente que o “gostar de estar junto” é um dos principais pontos de um bom relacionamento.

Aliás, casar ou não casar, fica com a mesma pessoa para o resto da vida, ou trocar de relacionamentos como se troca de roupas, tudo isto cabe a você decidir, pois na vida sempre precisamos fazer escolhas que por si mesmo geram angustias por serem difíceis e também pela responsabilidade que assumimos quando tomamos decisões.
Lembrando filho que mesmo quando você não escolhe, porque acha que não tem escolha, isto já é em si mesmo uma escolha: a escolha de não escolher, de se deixar escolher pelas “rodas do destino”.

Penso que seria legal você ter vários relacionamentos antes de tomar a decisão de morar com uma pessoa, pois isto te daria mais estrutura, porque não importa o quanto eu te aconselhe, tem coisas na vida que você terá que vivenciar para saber, até porque, o mais importante é a experiência de vida do que o saber. Vale mais uma vida vivida do que pensada.

Fique esperto meu filho com sua futura mulher, pois saiba que a mulher mais fácil de ser cantada e conquistada pelos homens é justamente a mulher casada, sabe por quê? (claro que não né meu filho, (risos) você só tem cinco anos de idade, e quando estiver lendo este meu texto provavelmente ainda serás adolescente)
Geralmente quando casamos relaxamos no casamento; já não cortejamos mais quando na época éramos namorados, e cada dia vai ficando pior. O homem já não abre mais a porta do carro para a mulher descer ou subir, já não leva mais para jantar, já não dá mais flores, e, principalmente já não repara mais na mulher, muito menos faz elogios para ela, nem que seja para mentir, mas dizer mentiras quando se ama é a maior verdade e sinceridade, pois esta mentindo justamente para agradar quem se ama.

Por isso meu filho, não gostaria de vê-lho sofrer por mulher alguma, embora seja praticamente impossível, até porque sinônimo de amar e sofrer.
Mas sofrer quando se ama é bom, o que não quero é que você sofra por traição, embora, num relacionamento mesmo estável e de boa qualidade, quando um dos dois resolve chutar o “pau da barraca” não tem jeito.  Mesmo assim sua parte é de ser sempre carinhoso e atencioso com sua mulher ou mulheres. Faça sua parte para depois você conseguir dormir em paz com sua consciência. Mas saiba que mesmo assim, você pode ser traído, porque quando a mulher resolve trair seu marido porque quer trair, não precisa de motivos óbvios, ela trair e consegue disfarçar melhor do que o homem. Mas geralmente elas fazem isto muito mais por vingança e/ou por um “bom” motivo, do que pela simples vontade banal de fazer.

Portanto, todo casamento é um tiro num escuro, porque a pessoa com que você casa é uma, mas no decorrer do casamento todos nós vamos mudando e nos transformando, deve ser por isso que temos o costume de quando uma relação termina, falar que não deu certo, de que perdemos o tempo, ou acusamos a outra pessoa de nunca ter nos amado. Mais isto não é verdade meu filho, simplesmente é porque o amor terminou, mais isto não quer dizer que não foi verdadeiro e bom enquanto durou.

Então aproveite vivendo o máximo possível do momento bom que você estará vivendo com sua namorada, noiva ou mulher. Não se preocupe em se frustrar com os relacionamentos, em sofrer por amor, em perder quem você ama. Simplesmente se lance na vida, permita-se correr risco, pois se frustrar e sofrer faz parte da própria existência.

sábado, 12 de maio de 2012

O que vemos, como vemos e porque vemos?


Por: Marcio Alves

A percepção social se dá no encontro com o outro. Quando passamos a perceber o outro diferente ou igual a nós, e, isto ocorre através do processo de percepção, não somente da presença enquanto física, mas também do conjunto de características que o outro possui e nos apresenta.

Esta percepção se torna possível, mediante a interação e organização das informações que vamos colhendo do nosso meio, através de nossa cognição, que passa necessariamente pelo processo de recebimento dos estímulos, internos e externos, pelos órgãos dos sentidos como também pelo sentido e significado dado por nós a estes mesmos estímulos, conforme mencionado nos estudos de Bahia bock, Furtado e Teixeira. (1999 p.136)

Esta percepção também passa pela comunicação ativa ou passiva do sujeito com seu meio social. E esta comunicação pode ser verbal (através de palavras escritas ou faladas) como também corporal (expressões e gestos do corpo) e até por variados e muitos códigos visuais. 

Entendemos, através do estudo da psicologia social, que a interação do sujeito com seu meio, seja físico e/ou social, é fruto da relação percepção, organização das informações, mais afeto, positivo ou negativo, com este mesmo meio, resultando em atitude que leva ater um determinado comportamento (ação).

Vale salientar aqui, o significado que a psicologia social dá para o termo “atitude”, conforme bem nos explica Bahia bock, Furtado e Teixeira dizendo que “Portanto, para a Psicologia social, diferentemente do senso comum, nós não tomamos atitudes (comportamento, ação), nós desenvolvemos atitudes (crenças, valores, opiniões) em relação aos objetos do meio social”. (1999 p.137)

Ou seja, primeiro o individuo desenvolve uma atitude, que são suas crenças, valores, opiniões, preferências e predisposições, sejam favoráveis ou desfavoráveis, em relação a determinados tipos de objetos, pessoas e situações, para depois, consequentemente, tomar um comportamento (ação). 

Quer dizer então, que para a psicologia social, as nossas atitudes antecedem e provocam nosso comportamento, nos movendo e determinando nossa ação no meio social. Só que o mais interessante é que estas mesmas atitudes são modeladas através do meio social, a qual, este mesmo sujeito pertence e está diretamente inserido, pois o grupo é o lugar de referencia e preferência deste sujeito que passa a ter o mesmo como base e parâmetro de como se deve comportar, falar, ouvir, perceber, entender, identificar, aprovar ou reprovar e até se relacionar com o outro.

Podemos então nos perguntar “se conhecermos as atitudes de uma determinada pessoa, será possível então prevermos antecipadamente o comportamento dela?”. 

Os autores Bahia bock, Furtado e Teixeira respondem esta pergunta afirmando que “(...) não é com tanta facilidade que conseguimos prever o comportamento de alguém a partir do conhecimento de sua atitude, pois nosso comportamento é resultante também da situação dada e de várias atitudes mobilizadas em determinada situação” (1999 p.137)

Ou seja, não é porque “sicrano” tem uma atitude negativa (não gosta, não se identifica e até reprova) em relação ao “fulano” é que o seu comportamento será de ignorar, (não conversando) ou até brigar com esta mesma pessoa, porque em um determinado contexto e situação (exemplo: no serviço, escola ou família) ela pode vir “precisar” a se relacionar, suportando o outro.

Importante também destacar que nossas atitudes podem ser mudadas diante do aparecimento de novas informações, afetos, comportamentos e situações vivenciadas, como nos mostra novamente Bahia bock, Furtado e Teixeira ao dizer que “Existe uma forte tendência a manter os componentes das atitudes em consonância. Informações positivas (...) levarão a afeto positivo. Informação positiva e afeto positivo levam a um comportamento favorável na direção do objeto” (1999 p.138)

Isto quer dizer que se o “sicrano” tem uma atitude negativa em relação ao “fulano”, o “sicrano” pode ter a sua atitude que antes era negativa, mudada para positiva, mediante o contato (situação nova vivida) com o “fulano”, passando a admirar (afeto novo) qualidades antes não percebidas (informações novas), numa dada circunstancia de ter que trabalhar junto, numa mesma empresa, se comunicando com ele. (necessidade)

Nesta percepção do outro, os papeis sociais (papeis pré-estabelecidos e pré-determinados pelo meio social cultural) são importantes para nossa compreensão desta mesma percepção, porque são eles (papeis sociais) que vão dirigir nosso modo de ver o outro e nos ver também.

“Qual comportamento esperar do professor em uma sala de aula?” Que ensine, transmitindo os conteúdos de uma dada matéria, para seus alunos de uma maneira didática, ou seja, assim como os professores tem um papel social já pré-estabelecido, existem vários tipos de papeis sociais que são apreendidos pelo sujeito, que passa não somente a perceber e saber o que esperar do outro em seu papel, como também ele mesmo tem seus próprios papeis os quais devem ser incorporados e vivenciados em seu dia a dia, e, como os autores Bahia Bock, Furtado e Teixeira, brilhantemente, sintetizam o estudo levantados por eles afirmando que “Aprender os nossos papéis sociais é, na realidade, aprender o conjunto de rituais que nossa sociedade criou”. (1999 p.140)


Texto extraído de uma parte do trabalho cientifico e acadêmico que fiz, para faculdade, sobre o tema: “A Psicologia Social – percepção social”.

sábado, 5 de maio de 2012

Caça às Bruxas na Alemanha (depoimentos de um padre)


 Por Edson Moura

A verdade é que nós humanos não sabemos (e talvez nunca saberemos) do que somos realmente capazes, e acredito que cabe a nós, de forma bem particular, e com a mais pura honestidade, averiguar as medidas que às vezes tomamos (ou que tomam pela gente) para nos proteger de nós mesmos. Ultimamente tenho me interessado muito pela questão da “alucinação”, e fui buscar em artigos, livros, documentários de televisão, mais informações sobre o tema. Parti do princípio que todos nós sofremos (em maior ou menor grau) algum tipo de alucinação, no decorrer de nossa vida. Alguns falam em abdução extraterrestre, outros falam em ouvir vozes de comando claramente, já outros falam de perseguições, enfim, é uma gama de situações em que, o indivíduo acredita piamente que está, vendo ou ouvindo algo que ninguém mais (por mais que o outro se esforce), consegue ver.


Quero voltar um pouco no tempo, numa época em que não tínhamos a Psicanálise, a Tecnologia Espacial, a Medicina Psiquiatrica e nem os fármacos desenvolvidos pela Ciência. Vou  tomar como exemplo o caso do período da “Caça às Bruxas” que ocorreu na Europa em também do lado de cá do Oceano Atlântico. Proponho a você que está lendo, uma abertura no seu conhecimento, uma rejeição total ou parcial dos mitos e crenças em que acredita, ou aceita como inofensivos. A ideia deste texto não é mostrar o óbvio, não, a intenção é ir mais além, ou seja, questionarmo-nos se de fato já estamos preparados, (agora quase quatro séculos depois) para aceitarmos como verdade absoluta tudo que nos foi deixado, ou melhor, tudo que nos é proposto como atos voltados para a segurança e bem estar do cidadão.

Trago a todos, um recorte que achei muito interessante, de um Jesuíta que teve o azar de escutar as confissões dos acusados de bruxaria na cidade alemã de Würtzburg. Seu nome era Friedrich von Spee.  Em 1631 publicou Cautio Criminalis (precauções para os acusadores), onde explicitou a essência daquele terrorismo da Igreja-Estado contra os inocentes. Antes de Spee receber seu castigo, morreu vítima de uma epidemia de peste... atendendo aos afligidos como padre da paróquia. Aqui temos um resumo de seu livro: Prestem bem atenção, pois é a narrativa de testemunha ocular.

1. Por incrível que pareça, entre nós, alemães, e especialmente (envergonha-me dizê-lo) entre católicos, há superstições populares, inveja, calúnias, maledicências, insinuações e similares que, ao não serem castigadas nem refutadas, levantam a suspeita de bruxaria. Já não Deus ou a Natureza, a não ser as bruxas, são as responsáveis por tudo.

2. Assim, todo mundo clama para que os magistrados investiguem as bruxas... a quem só a intriga popular tem feito tão numerosas.

3. Os príncipes, em consequência, pedem a seus juízes e conselheiros que abram os processos contra as bruxas.

4. Os juízes logo que sabem por onde começar, já que não têm evidências nem provas.

5. Enquanto isso, a gente considera suspeito este atraso; e um informador ou outro convence aos príncipes a tal efeito.

6. Na Alemanha, ofender a estes príncipes é um sério delito; até os sacerdotes aprovam o que possa lhes agradar sem preocupar-se de quem instigou aos príncipes (por muito bem intencionados que sejam).

7. Ao final, portanto, os juízes cedem a seus desejos e conseguem dar inicio aos julgamentos.

8. Os juízes que se atrasam, temerosos de ver-se envoltos em assunto tão espinhoso, recebem um investigador especial. Neste campo de investigação, toda a inexperiência ou arrogância que se aplique à tarefa se considera zelo da justiça. Este zelo também se vê estimulado pela expectativa de benefício (grifo meu), especialmente para um agente pobre e avarento com uma família numerosa, quando recebe como estipêndio tantos dólares por cabeça de bruxa queimada, além das taxas incidentais e gratificações que os agentes instigadores têm licença para arrancar com prazer daqueles aos que convocam.

9. Se os desvarios de um demente ou algum rumor malicioso e ocioso (porque não se necessita nunca uma prova do escândalo) assinalam a uma pobre mulher inofensiva, ela é primeira em sofrer.

10. Entretanto, para evitar a aparência de que a acusa unicamente sobre a base de um rumor, sem outras provas, obtém-se uma certa presunção de culpabilidade ao expor o seguinte dilema: ou levou uma vida má e imprópria, ou levou uma vida boa e própria. Se for má, deve ser culpada. Por outro lado, se sua vida foi boa, é igual de imperdoável; porque as bruxas sempre simulam com o fim de aparecer especialmente virtuosas.

11. Em consequência, encarcera-se à velha. Encontra-se uma nova prova ediante um segundo dilema: Tem medo ou não o tem?. Se o tiver (quando escuta as horríveis tortura que se utilizam contra as bruxas), é uma prova segura; porque sua consciência a acusa. Se não mostrar temor (confiando em sua inocência), também é uma prova; porque é característico das bruxas simular inocência e levar até o final.

12. Em caso de que estas fossem as únicas provas, o investigador faz que seus detetives, frequentemente depravados e infames, vasculhem em sua vida anterior. Isto, certamente, não pode fazer-se sem que apareça alguma frase ou ato da mulher que homens tão bem dispostos possam torcer ou distorcer para convertê-lo em prova de bruxaria.

13. Todo aquele que lhe deseje mal tem agora grandes oportunidades de fazer contra ela as acusações que deseje; e todo mundo diz que as provas contra ela são consistentes.

14. E assim a conduz a tortura, a não ser, como acontece frequentemente, que a bruxa seja torturada o mesmo dia de sua detenção.

15. Nesses julgamentos não se permite a ninguém ter advogado nem qualquer meio de defesa justa porque a bruxaria é considerada um delito excepcional (de tal enormidade que se podem suspender todas as normas legais de procedimento), e quem se atreve a defender à prisioneira cai sob suspeita de bruxaria pessoalmente... assim como os que ousam expressar um protesto nestes casos e apressam aos juízes a exercitar a prudência, porque a partir de então recebem o qualificativo de defensores da bruxaria. Assim, todo mundo guarda silêncio por medo.

16. A fim de que possa parecer que a mulher tem uma oportunidade de defender-se a si mesmo, levam-na ante o tribunal e se procede a ler e examinar (se é que se pode chamar assim) os indícios de sua culpabilidade.

17. Até no caso que negue essas acusações e responda adequadamente a cada uma delas, não lhe empresta atenção e nem sequer se anotam suas respostas; todas as acusações retêm sua força e validez, por muito perfeitas que sejam as respostas. Ordenam-lhe retornar à  prisão para pensar mais atentamente se persistirá em sua obstinação... porque, como negou sua culpabilidade, é obstinada.

18. No dia seguinte  voltam a levá-la para fora e ela então escuta o decreto de tortura, como se nunca tivesse rechaçado as acusações.

19. Antes da tortura, entretanto, revistam-na em busca de amuletos; barbeiam-lhe todo o corpo e lhe examinam sem moderação até essas partes íntimas que indicam o sexo feminino.

20. O que tem isso de assombroso? Aos sacerdotes os trata do mesmo modo.

21. Quando a mulher foi barbeada e examinada, torturam-na para lhe fazer confessar a verdade, quer dizer, para que declare o que eles querem, porque naturalmente não há outra coisa que seja nem possa ser a verdade.

22. Começam com o primeiro grau, quer dizer, a tortura menos grave. Embora dura em excesso, é suave comparada com as que seguirão. Assim, se confessar, dizem que a mulher confessou sem tortura!

23. Agora vejam bem, que príncipe pode duvidar de sua culpabilidade quando lhe dizem que confessou voluntariamente sem tortura?

24. Condenam-na a morte sem escrúpulos. Mas a teriam executado embora não tivesse confessado; porque, assim que a tortura começou, a sorte já está lançada; não pode escapar, tem que morrer à força.

25. O resultado é o mesmo tanto se confessar como se não. Se confessar, sua culpa é clara: é executada. Qualquer retratação é em vão. Se não confessar, a tortura se repete: dois, três, quatro vezes. Em delitos excepcionais, a tortura não tem limite de duração, severidade ou frequência.

26. Se, durante a tortura, a velha contorcer suas feições com dor, dizem que ri; se perder o sentido, dizem que se dormiu ou está sob um feitiço demônio. E, se está entorpecida, merece ser queimada viva, como se tem feito com alguma que, embora torturada várias vezes, não dizia o que os investigadores queriam.

27. E inclusive confessores e padres afirmam que morreu obstinada e impenitente; que não se converteu nem abandonou seu íncubo, mas sim manteve sua fé nele.

28. Entretanto, se morrer sob tanta tortura, dizem que o diabo lhe quebrou o pescoço.

29. Depois do qual o cadáver é enterrado debaixo da forca.                   

30. Por outro lado, se não morrer sob tortura e se algum juiz excepcionalmente escrupuloso não torturá-la mais sem maiores provas, ou queimá-la sem confissão, mantêm-na no cárcere e a encadeiam com a máxima dureza para que se apodreça até que ceda, embora possa passar um ano inteiro.

31. A acusada não pode liberar-se nunca. O comitê investigador cairia em desgraça se absolvesse a uma mulher; uma vez presa e com cadeias, tem que ser culpado, por meios justos ou ilícitos.

32. Enquanto isso, sacerdotes ignorantes e teimosos perturbam à desgraçada criatura a fim de que, seja certo ou não, se declare culpada; Se não fazê-lo assim, dizem, não pode ser salva nem participar dos sacramentos.

33. Sacerdotes mais longânimos ou cultos não a podem visitar no cárcere para evitar que lhe deem conselho ou informem aos príncipes do que ocorre. O mais temível é que saia à luz algo que demonstre a inocência da acusada. As pessoas que tentam fazê-lo recebem o nome de perturbadores.

34. Enquanto a mantêm na prisão e sob tortura, os juízes inventam ardilosos mecanismos para reunir novas provas de culpabilidade com o fim de declará-la culpada de modo que, ao revisar o julgamento, algum facultativo universitário possa confirmar que devia ser queimada viva.

35. Há juízes que, para aparentar uma bondade suprema, fazem exorcizar  mulher, transferem-na a outra parte e a voltam a torturar para romper sua letargia; Se mantém silêncio, então ao menos podem queimá-la. Agora bem, em nome do Céu, eu gostaria de saber: se tanto a que confessa como a que não, perecem do mesmo modo, como pode escapar alguém por inocente que seja? Oh mulher infeliz, por que alimentaste esperança? Por que, ao entrar no cárcere, não admitiu em seguida o que eles queriam? Por que, mulher insensata e louca, desejou morrer tantas vezes quando poderia ter morrido só uma? Segue meu conselho e, antes de suportar todos estes maus, dissesse que é culpada e morre. Não escapará, porque seria uma desgraça catastrófica para o zelo da Alemanha.

36. Quando, sob a tensão da dor, a bruxa confessa “culpa”, sua situação é indescritível. Não só não pode escapar, mas também se vê obrigada a acusar a outras que não conhece, cujos nomes com frequência põem em sua boca os investigadores ou sugere o executor, ou são os que ouviu como suspeitas ou acusadas. Estas por sua vez se veem forçadas a acusar a outras, e essas,  a outras, e assim sucessivamente: quem pode deixar de ver isto?

37. Os juízes devem suspender esses julgamentos (e impugnar assim sua validez) ou queimar a sua família, a eles mesmos e a todos outros; porque todos, antes ou depois, são acusados falsamente; e, depois da tortura, sempre se demonstra que são culpados.   

38. Assim, finalmente, os que ao princípio clamavam com maior força para alimentar as chamas se veem eles mesmos implicados, porque não atinaram a ver que também lhes chegaria a vez. Assim o Céu castiga justamente aos que com suas línguas pestilentas; criaram-se tantas bruxas e enviaram à fogueira a tantas inocentes...
Von Spee não explícita os horríveis métodos de tortura que se empregavam. Transcrevo aqui um resumo de uma valiosa recopilação da enciclopédia de bruxaria e demonologia, do Rossell HopeRobbins(1959):

“Pode-se jogar uma olhada a alguns das torturas especiais do Bamberg, por exemplo, como alimentar pela força à acusada com arenques cozinhados com sal e logo lhe negar a água... um método sofisticado que ia unido à imersão da acusada em uma bacia de água fervendo a que se acrescentou cal. Outras formas de tortura para as bruxas eram o cavalo de madeira, vários tipos de potros, a cadeira de ferro quente, tornos de pernas (botas espanholas) e grandes botas de metal ou couro nas que (com os pés dentro, certamente) vertia-se água fervendo ou chumbo fundido. No tortura da touca, se fazia beber água à acusada com um tecido macio para lhe provocar asfixia. A seguir se retirava rapidamente a gaze para lhe rasgar as vísceras. “Os Anjinhos”, tinham o objetivo de comprimir o polegar da mão ou o dedo gordo do pé na raiz das unhas de modo que a dor ao apertar fosse insuportável”.

“Além disso, aplicavam-se rotineiramente a estrapada, o trampazo e torturas ainda mais desagradáveis que me absterei de descrever. Depois da tortura, e com os instrumentos da mesma ao alcance da visão da “bruxa”, pede-se à vítima que assine uma declaração, que a seguir se qualifica de “livre confissão” admitida voluntariamente”.

Com grande risco pessoal, Von Spee protestou contra a perseguição das bruxas. Também o fizeram outros, principalmente padres  católicos e protestantes que tinham sido testemunhas da pratica desses crimes: Gianfrancesco Ponzinibio na Itália, Cornelius Loos na Alemanha e Reginaid Scot em Grã-Bretanha no século XVI; assim como Johann Mayfurth (“Escutem, juízes famintos de dinheiro e perseguidores sedentos de sangue, as aparições do Diabo são pura mentira”, é o que ele bradava) na Alemanha e Alonso Salazar de Frite na Espanha no século XVII. junto com o Von Spee e os Quakers. (Criado em 1652, pelo inglês George Fox, o Movimento Quaker pretendeu ser a restauração da fé cristã original, após séculos de apostasia; eles se chamavam de "Santos", "Filhos da Luz" e "Amigos da Verdade" – donde surge, no século XVIII, o nome "Sociedade dos Amigos".

A Sociedade dos Amigos reagiu contra o que considerava abusos da Igreja Anglicana, colocando-se como "sob a inspiração direta do Espírito Santo". Os membros desta sociedade, ridicularizados no século XVII com o nome de quakers (inglês para "tremedores"), que a maioria adota até hoje, rejeitam qualquer organização clerical, para viver no recolhimento, na pureza moral e na prática ativa do pacifismo, da solidariedade e da filantropia. Perseguidos na Inglaterra por Carlos II, os quakers emigraram em massa para os Estados Unidos, onde, em 1681, criaram, sob a égide de William Penn, a colônia da Pensilvânia. Em 1947, os comitês ingleses e americanos do Auxílio Quaker Internacional receberam o Prêmio Nobel da Paz. 

Esses homens, em minha opinião e é quase um consenso, são heróis de nossa espécie. A pergunta que fica é: Por que não são mais conhecidos?

Até o século XVIII não se contemplou seriamente a possibilidade da alucinação como componente da perseguição das bruxas; o bispo Francis Hutchinson, em seu Ensaio histórico sobre bruxaria (1718), escreveu:

Muitos homens tinham acreditado ver de verdade um espírito externo ante eles, quando era só uma imagem interna que dançava em seu próprio cérebro.

Graças à valentia dos que se opuseram à perseguição das bruxas, a sua extensão até as classes privilegiadas, ao perigo que entranhava para a crescente instituição do capitalismo e, especialmente, à dispersão das ideias da Ilustração europeia, as queimas de bruxas virtualmente desapareceram. A última execução por bruxaria na Holanda, berço da Ilustração, foi em 1610; na Inglaterra, em 1684; na América, em 1692; na França, em 1745; na Alemanha, em 1775, e na Polônia, em 1793. Na Itália, a Inquisição condenou à morte bruxas até finais do século XVIII e a tortura inquisitorial não se aboliu na Igreja católica até 1816. O último bastião defensor da realidade da bruxaria e a necessidade de castigo foram as Igrejas cristãs.

A perseguição de bruxas foi estúpida e vergonhosa. Como pudemos fazer isso? Como podíamos ter tanta ignorância de nós mesmos e nossas debilidades? Como pôde ocorrer nas nações mais “avançadas”, mais “civilizadas” da Terra, um ato tão bárbaro? Por que a apoiavam resolutamente conservadores, monárquicos e fundamentalistas religiosos? Por que se opunham a isso, liberais quaisquer e seguidores do Iluminismo? Se estivermos absolutamente seguros de que nossas crenças são corretas e as de outros erradas, que nos motiva o bem e aos outros o mal, que o rei do universo nos fala e não aos fiéis de fés muito diferentes, que é mau desafiar as doutrinas convencionais ou fazer perguntas inquisitivas, que nosso trabalho principal é acreditar e obedecer... a perseguição de bruxas se repetirá (com outra roupagem) em suas infinitas variações até a época do último homem. 

Recorde o primeiro ponto do Friedrich Von Spee e o que implica: se o público tivesse compreendido melhor a superstição e o ceticismo, teria contribuído a provocar um corte na série de causas e efeitos. Se não conseguirmos entender como pode acontecer da última vez, não seremos capazes de reconhecê-lo da próxima vez que surgir.



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