quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A evolução da moral e da ética




Por Por Noreda Somu Tossan

Seria possível condensar os valores todos num só, ou num essencial? Seria a “decência” esse condensado de tudo que julgamos bom? Porque se pensarmos na grande referência moral de nossa tradição, “Os dez mandamentos bíblicos”, eles se caracterizam, antes demais nada, por serem vários, muitos. A versão judaica, aliás, não coincide exatamente com as diferentes versões cristãs. Os cristãos admitem imagens de Deus, ao contrário dos Judeus, e a igreja Ortodoxa chega mesmo a dar papel importantíssimo aos ícones. A Igreja Católica, além disso, acrescentou cinco mandamentos dela própria, diga-se de passagem, bem menos impactantes que os revelados à Moisés no Monte Sinai.

Hoje, se quisermos penar no que é bom e correto, os mandamentos de Deus não são suficientes (e também têm alguns excessos). Quer dizer que precisamos incluir o que lhes falta exemplo: o respeito às religiões diferentes e também ao ateísmo, a igualdade dos sexos, a não descriminação dos outros povos, o fim da escravatura, enfim, uma série de preceitos morais que nos textos sagrados passam em silêncio, mas que se tornou fundamental para nós no século XXI. e também precisamos retirar alguns pontos que, embora façam sentido do ponto de vista religioso, não garantem que uma pessoa seja ética (decente), exemplo:

Não tomar o nome de Deus em vão, não adorar outros deuses e santificar um dia por semana são prescrições em determinada religiões, algumas, mas não para todas, o que não faz do adepto da religião que não pratica tais costumes, um imoral ou indecente. Ateus e agnósticos por exemplo não estariam obrigados por elas. E nem por isso, essas pessoas que não vêem sentido em um terço dos mandamentos judaico-cristãos, são sujeitos maus.

Fica então a pergunta: a ética se constrói pela constante agregação de novos conceitos ou se pode derivar de um preceito essencial? A ética é um “catálogo” de virtudes ou tem um cerne, uma origem, uma essência? Cada vez que as Nações Unidas convocam uma nova conferência internacional, que anuncia mais uma declaração dos direitos (introduzindo o direito à moradia, proclamando os direitos das crianças e dos adolescentes, mandando que se respeitem os povos aborígenes), elas estão de fato acrescentando princípios novos a uma lista cada vez maior de obrigações, ou será que tudo isso poderia ser pensado a partir de um, ou alguns poucos princípios básicos?

A moral parece-se mais hoje em dia com uma lista de compras, que vamos ampliando cada vez que nos lembramos de uma coisa nova. É evidente que a sociedade atual declare quais são seus direitos, inclusive alguns nunca antes lembrados. Mas não podemos esquecer que, declarar não é promulgar. Declarar é reconhecer que eles valem, não é criar. Você declara a partir de algo que já existe, mesmo que muitos não tenham consciência dele. Daí então surge o maior dilema em minha opinião: jamais criamos preceitos morais? Ou criamos? Modificamos os anteriores? O que já foi descente se torna agora indecente e vice-versa?

Acredito que hoje, quase tudo o que diz respeito à ética pode derivar de dois grandes princípios, a igualdade (não com uma conotação comunista) e a liberdade (não com conotação anarquista). Se somos iguais não podemos desrespeitar o outro, sermos arrogantes, intolerantes ou corruptos. O voto de todos tem o mesmo peso nas eleições. Se somos livres, devemos responder por nossos atos e também reconhecer a liberdade dos outros. Para o século XXI acredito ser a resposta mais adequada, mas daí vem outros dilemas: Isso é retroativo? Vale para o passado? Machistas e escravagistas de uma época que tolerava essas condutas, como ficam no retrato ético atual? Ou devemos reconhecer que a moral muda com o tempo?

Edson Moura



quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O rebanho de um homem


Por Edson Moura

Acumular é um dos mais profundos instintos da alma. Porque a alma ama, e o amor deseja sempre possuir. Se eu amo aquela casinha de cercas brancas, onde há uma seringueira com balança e um riacho, por que não possuí-la, se posso? Ora, se ela for minha, certamente cuidarei dela, quem sabe até pintarei as janelas de azul. Se eu amo a música que ouço, por que não comprar o CD e tê-lo só pra mim? O Levarei para casa e ouvirei quantas vezes quiser, desfrutando assim daquilo que é meu. O amor é onívoro, quer comer tudo. Sabe-se que, comer é a forma mais radical de possuir. Comendo o que estava fora e era outro, passa então a ser parte do seu próprio corpo.

Juntei algumas riquezas e estou sendo açoitado por uma pergunta feita em uma parábola contada por Jesus: “Para quem ficará tudo que acumulaste?”. Quando o que se acumulou se resume a bens e dinheiro, a resposta é relativamente fácil. Dinheiro e bens são valores que se medem por meio de números. Sendo assim, basta dividir o montante pelo número de herdeiros definidos legalmente e dar a cada um a parte que lhe corresponde. Mas e as outras coisas que acumulei?

Jesus sabiamente comparou o corpo a um tesouro do qual cada um tira as coisas que ajuntou no decorrer de sua vida. Cada indivíduo tem um tesouro que é único, só seu. Portanto, no meu tesouro há uma quantidade enorme de coisas totalmente, ou, absolutamente, inúteis, que não têm valor algum no mercado. Muitos livros usados, rabiscados e empoeirados. Algumas fotografias que marcam momentos importantes em minha vida (em minha vida). Várias poesias rabiscadas em comandas de pedidos, dessas que garçons usam. Contos, recortes, cartas, enfim, memórias.

Parece estranho, mas o fato é que as memórias são também objetos que acumulamos em nossa caminhada existencial. Estão guardadas no nosso tesouro particular, às vezes secreto. Sinto a necessidade extrema de dá-las a alguém que tome conta delas. Aí me vem a aflição por escrever. Quando escrevo estou, à minha maneira, lutando contra a morte, não a morte literal, mas sim, buscando uma certa imortalidade. A imortalidade das minhas memórias. Pelejando bravamente contra a morte das coisas que o meu amor ajuntou e que vão se perder quando eu morrer.

Já dizia Alberto Caeiro: “Eu nunca guardei rebanhos, mas é como se os guardasse... Quando me sento a escrever versos..., sinto um cajado nas mãos..., olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias, ou olhando para minhas idéias e vendo o meu rebanho.” Também me considero um guardador de rebanhos. Minhas ovelhas são minhas idéias, minhas memórias. Para quem ficarão minhas ovelhas quando eu partir? Quem cuidará delas com o mesmo amor que eu cuidei? É preciso encontrar alguém que as ame assim como eu as amei, que também tenha essa alma de pastor, que as chame pelo nome, que as conduza por pastos verdes e fontes de águas frescas, que as defenda dos lobos e as acaricie ao fim da tarde.

A pergunta me atravessa os pensamentos como lâmina afiadíssima: “O que acumulei numa vida inteira, para quem ficará?” “Quem cuidará do meu rebanho querido?”. Mas, talvez, esta seja uma pergunta impossível de ser respondida mesmo. Eu apenas alimentei a ilusão de ter possuído um rebanho, apenas tive a ilusão de acumular objetos, memórias, idéias. Esse rebanho nunca me pertenceu. É um grande rebanho que passeia pelos pastos do mundo, ovelhas à procura de quem cuide delas. Por um período estiveram sob meus cuidados. Eu as chamava pelo nome. Assim que eu me for, sairão por aí e provavelmente encontrarão outro pastor, que certamente saberá cuidar melhor delas do que eu mesmo cuidei. Farão delas ovelhas mais fortes, com o auxílio de outros pastores, modificarão as minhas ovelhas e logo elas se esquecerão de mim.

Minhas ovelhas jamais ficarão abandonadas. Mas alimento a esperança, novamente me entrego à ilusão, de que meu filho Jonas, ou o mais novo Cauã, serão esses pastores. E toda vez que eles virem uma de minhas ovelhas machucada, ou desgarrada do rebanho, a trarão de volta, tirarão os carrapatos e lembrarão-se do velho pastor que não deixou nada, a não ser, suas memórias escritas, mas escritas com amor.

Noreda Somu Tossan


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