domingo, 29 de abril de 2012

Falsos Profetas (parte 5)

Por Edson Moura

A ambivalência do homem tem trazido benefícios e malefícios. Creio eu que mais coisas boas aconteceram desde que o homem começou a polarizar suas ideias. Mas quando o assunto é religião a coisa muda e figura. Quando falo que sou cético, logo sou levado ao extremo oposto da fé, sendo considerado como uma pessoa de má índole, filho do demônio e outros adjetivos que os crédulos gostam de inventar para estereotipar um ateu. Relativizar a Bíblia constitui-se um erro moral, enquanto alguns fundamentalistas a literalizam sem a menor parcimônia. Não entendem que, se levarem ao “pé da letra” ou não fazerem um exame cético acerca de algumas passagens, podem estar abrindo precedentes para justificar atos tão maus que transformariam os megalomaníacos e genocidas de nosso tempo em apenas mais um idealista com sua “causa justa”. Um exemplo evidente é o caso da historia de Josué logo após o Êxodo.


Que área do comportamento humano é mais ambíguo moralmente? Até as instituições populares que se propõem nos aconselhar sobre comportamento e ética parecem infestadas de contradições. Consideremos os aforismos: “A pressa é inimiga da perfeição”, mas posso contrapor este argumento com o seguinte: “O boi chega primeiro bebe água limpa". Ou, “É melhor prevenir do que remediar”, contrastando com, “Quem não arrisca não petisca”. Ou esta então: “Duas cabeças pensam melhor do que uma” sendo afrontada com “panela que muitos mexem ou sai cru ou queimada ou insossa ou salgada”.

Houve uma época em que a gente planejava ou justificava suas ações apoiando-se nesses tópicos contraditórios. Que responsabilidade moral têm os autores de provérbios? Ou o astrólogo que se apoia nos signos do sol, o leitor de cartas do tarot, o jogador de búzios, ou profeta da igreja da Benção?

A Bíblia nos ensina as seguintes lições: Miqueias nos exorta a trabalhar com justiça e amar a piedade (e a definição clara e resumida daquilo que Deus exige do seu povo: "O que ele quer é que façamos o que é direito, que amemos uns aos outros com dedicação e que vivamos em humilde obediência ao nosso Deus" Miqueias 6.8). No Êxodo nos proíbe cometer homicídios. Em Levítico nos ordena amar a nossos vizinhos como a nós mesmos. E nos Evangelhos nos urge a amar a nossos inimigos. Pensemos entretanto nos rios de sangue vertido por ferventes seguidores dos livros em que se acham essas exortações bem intencionadas.


No livro de Josué e na segunda parte do livro de Números se celebra o assassinato maciço de homens, mulheres e meninos, até de animais domésticos, em uma cidade atrás de outra por toda a terra do Canaã. Jericó é eliminado em uma “guerra Santa”. A única justificação que se oferece para este assassinato em massa é a declaração dos assassinos (hebreus) de que, em troca de circuncidar a seus filhos e adotar uma série de rituais particulares, prometeu-se a seu antepassados muito tempo atrás que aquela terra seria deles. Não encontramos na Bíblia “sagrada”nenhum indício de arrependimento, nem um murmúrio de inquietação patriarcal ou divina ante essas campanhas de extermínio engendradas por Josué a mando de Deus. Muito pelo contrário, Josué “consagrou a todos os seres viventes ao anátema, como Jeová, o Deus do Israel, tinha-lhe ordenado” (Josué, 10, 40). E esses acontecimentos não são incidentais a não ser centrais na narração principal do Antigo Testamento. 

Há histórias similares de assassinato em massa (e no caso dos Amalequitas, genocídio) nos livros que contam a história de Saul , Ester e outras partes da Bíblia, sem sequer uma fagulha de dúvida moral. Tudo isso, certamente, foi perturbador para os teólogos liberais de uma época mais tardia, mas duvido que para os fundamentalista tenha sido.

Diz-se com razão que o diabo pode “citar as Escrituras para seu propósito”. A Bíblia está tão cheia de histórias de propósito moral contraditório que cada geração pode encontrar justificativa para quase todas as ações que propõe. Desde incesto, a escravidão e o assassinato em massa até o amor mais refinado, a valentia e o auto-sacrifício. E este transtorno moral múltiplo de personalidade não está limitado ao judaísmo e ao cristianismo. Pode-se encontrar dentro do Islã, na tradição hindu, certamente em quase todas as religiões do mundo. Assim, não são os cientistas os que são moralmente ambíguo, mas sim, todos nós seres humanos.

A Ciência tem uma obrigação de alertar o público dos perigos possíveis, sobretudo dos perigos que emanam da própria Ciência, ou que podem se agravar pela aplicação da Ciência. Talvez esta seja uma missão profética. As advertência devem ser justificadas e divulgadas, mas seu valor não pode ser maior do que o momento exige. Se estamos sujeitos ao erro, ao engano, que erremos pensando na segurança de todos.

Uma vez que nossa vida é tão efêmera, e tão única, parece crueldade de minha parte privar qualquer pessoa que seja do consolo da fé, pois em algumas áreas, a Ciência não pode jamais remediar a angústia deixada pela decepção do homem que teve os olhos abertos para a realidade. Aqueles que não podem suportar o peso do exame cético e constatação da falácia, tem a liberdade para ignorar os princípios usados por um cético para tentar provar sua” crença”. Fé é algo que se perde aos pedacinhos, e quando vemos estamos nus, desamparados e mais cegos do que antes. É neste momento que a razão entra no jogo, que a Ciência acende uma vela e ilumina o caminho que ainda teremos que percorrer.

Acredito piamente que a Ciência está no homem a mais tempo do que a religião. O homem só chegou até aqui porque usou a Ciência na caça, na pesca, no plantio, na confecção de armas e roupas. O que não entendo é como ele pode se esquecer disto. Em determinado momento nós paramos de acreditar na Ciência para dar ouvidos a falsos profetas, e com o passar dos milênios, como não poderia deixar de ser, a religião fundiu-se à evolução, confundindo os homens e fazendo-o acreditar que “crer é preciso”. 

Fim

Falsos Profetas (parte 4)

Será que escrevo essas coisas porque sou ateu? Ou sou ateu porque me interessei em aprender sobre essas coisas? A verdade é que não importa. Não sou o fim em mim mesmo. Estou em constante metamorfose e não pretendo parar. Muitos sabem que já fui um crédulo por muito tempo, mas hoje penso diferente. Alguns amigos insistem e dizer que foi alguma decepção com Deus ou cm a religião que me fizerem um crítico ferrenho da fé. Mas isso também não importa. O que importa são os resultados. Outros me chamam de reducionista, por elevar a ciência a um patamar em que tudo se explica, ora, que dizer então de quem crê em Deus como criador de tudo e de todos? Acredito que isso sim é reducionismo.


Muitos declaram que “quando Darwin formulou sua teoria da evolução era ateu e materialista” e sugerem que a evolução foi produto de um programa supostamente ateu. Confundiram infelizmente causa e efeito. Pelo que a verdadeira história conta, Darwin estava a ponto de ser ordenado ministro da Igreja da Inglaterra quando lhe apresentou a oportunidade de embarcar no HMS Beagle. Suas ideias e crenças religiosas naquele momento, (como as descreveu ele mesmo) eram as mais convencionais. Considerava totalmente plausíveis todos e cada um dos artigos de fé anglicanos. Através de sua interrogação da natureza, através da ciência, foi constatando lentamente que ao menos parte de sua religião era falsa. Por isso trocou de ponto de vista religioso. Ora! Acaso não foi exatamente o que fiz?


Outros ficaram horrorizados ante a descrição do Darwin da baixa moralidade dos selvagens, sua insuficiente capacidade de raciocínio, seu fraco poder de autodomínio. E afirmavam que: “Hoje em dia muita gente se sente escandalizada por seu racismo.” Mas não me parece que houvesse nenhum rastro de racismo no comentário do Darwin. Ele aludia aos habitantes de Terra do Fogo, que sofriam uma escassez enorme na província mais estéril e antártica da Argentina. Quando Darwin descreveu uma mulher sul-americana de origem africana que preferiu a morte a submeter-se à escravidão, anotou que só o preconceito nos impedia de ver seu desafio à mesma luz heroica que concederíamos a um ato similar da orgulhosa matriarca de uma família nobre romana. Ele mesmo quase foi expulso do Beagle pelo capitão FitzRoy por sua oposição militante ao racismo do mesmo. Darwin estava por cima da maioria de seus contemporâneos neste aspecto. E era já ateu.

Mas, enfim, mesmo que tudo fosse diferente. Mesmo que Darwin tivesse sido motivado pela raiva, pela decepção de perder sua filha, mesmo que o ódio por deus fosse a mola propulsora que arremessou Darwin para os picos da pesquisa das espécies, em que isso afeta à verdade ou falsidade da seleção natural? Thomas Jefferson e George Washington possuíam escravos; Albert Einstein e Mahatma Gandhi eram maridos e pais imperfeitos. E a lista segue indefinidamente. Todos temos defeitos e somos criaturas de nosso tempo. É justo que nos julgue com os padrões desconhecidos do futuro? Alguns costumes de nossa era serão considerados, sem dúvida, bárbaros, pelas  gerações que virão. Possivelmente nossa insistência em que os nossos filhos recém nascidos durmam sozinhos e não com seus pais; ou possivelmente a excitação de paixões nacionalistas como meio de conseguir a aprovação popular e alcançar um alto cargo político; ou permitir o suborno e a corrupção como meio de vida; ou ter animais domésticos; ou comer animais e enjaular chimpanzés para fazer experiências; ou permitir que nossos filhos cresçam na ignorância, ou até mesmo que permitimos que um dia se adorasse a um deus que não se podia ver. Não estaremos vivos, mas certamente se estivéssemos, teríamos vergonha.

De vez em quando olhamos para o passado e vemos destacar-se alguém. É o exemplo do revolucionário americano Thomas Paine, de origem inglesa. Thomas estava muito a frente de seu tempo. Opôs-se com coragem à monarquia, a aristocracia, o racismo, a escravidão, a superstição e o sexismo quando todo isso constituía a sabedoria convencional. Suas críticas à religião convencional eram implacáveis. Escreveu na idade da razão. “Quando lemos as obscenas histórias, as voluptuosas perversões, as execuções cruéis e tortuosas, o caráter vingativo e implacável que goteja do meio da Bíblia, seria mais coerente chamá-la de “o livro de um demônio que o livro de Deus, pois ele só serviu para corromper e brutalizar à humanidade”.

Ao mesmo tempo, o livro mostrava a reverência mais profunda por um Criador do universo cuja existência Thomas Paine questionava, pois era evidente ao dar uma simples olhada no mundo natural. Mas, para a maioria de seus contemporâneos, parecia impossível condenar grande parte da Bíblia e de uma vez abraçar a Deus. Os teólogos cristãos chegaram à conclusão de que ele era um bêbado, um louco ou um corrupto. O estudioso judeu David Levi proibiu a seus correligionários tocar sequer, e menos ainda ler, o livro. Paine se viu submetido a tal sofrimento por seus pontos de vista (incluindo seu encarceramento depois da Revolução francesa por ser muito coerente em sua oposição à tirania) que se transformou em um velho amargurado.

É claro que se pode dar outros contornos à teoria de Darwin e usá-la  de modo grotesco: Magnatas de voracidade insaciável podem explicar suas práticas de cortar cabeças apelando ao darwinismo social; Os nazistas e outros racistas podem alegar a “sobrevivência do mais forte” para justificar o genocídio. Mas Darwin não fez ao John D. Rockefeller nem Adolf Hitler. É muito provável que se produziram esses acontecimentos ou similares com ou sem o Darwin.

Se pudéssemos censurar Darwin, o que outros tipos de conhecimento não poderíamos censurar também? Quem exerceria a censura? Quem de nós é o bastante sábio para saber de que informação e ideias podemos prescindir com segurança e qual delas será necessária daqui dez, cem ou mil anos no futuro? Sem dúvida podemos fazer certa valoração de que tipos de máquinas e produtos vale a pena desenvolver. Em todo caso, devemos tomar estas decisões, porque não temos recursos para aplicar todas as tecnologias possíveis. Mas censurar o conhecimento, dizer às pessoas o que deve pensar, e em que se deve crer é o mesmo que abrir a porta para a castração do pensamento, levando-nos a tomar decisões absurdas e incompetentes e a cair na decadência a longo prazo. Ideólogos ferventes e regimes autoritários consideram fácil e natural impor seus pontos de vista e eliminar as alternativas.

Fica então a frase de um líder bem conhecido para você leitor refletir:

“Está emergindo uma nova era de explicação mágica do mundo, uma explicação apoiada mais na vontade que no conhecimento. Não há verdade, nem no sentido moral nem no cientista”. Adolf Hitler

Continua...


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